RETROSPECTIVA 2018
Durante o ano de 2018, o STF estabeleceu alguns marcos importantes em relação ao Direito Processual Civil, tanto no âmbito do processo individual quanto no do processo coletivo, produzindo reflexos diretos na prática forense e nos debates acadêmicos.
No primeiro dia do mês de março, o Plenário referendou a decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski que havia homologado o acordo entabulado na ADPF 165, envolvendo os famigerados planos econômicos. Essa decisão, que já foi objeto de uma postagem aqui no Observatório[1], reconheceu, dentre outros pontos relevantes, a possibilidade da celebração de acordos processuais em processos de índole objetiva.
Em junho, a Primeira Turma decidiu, no julgamento do RE 605709, que é impenhorável o bem de família do fiador na locação comercial. Esse entendimento opõe-se àquele adotado no Tema 295 da repercussão geral do STF, quando se decidiu pela penhorabilidade do bem de família do fiador na locação residencial, nos termos do art. 3º, VII, da L. 8.009/1990. Naquela oportunidade, utilizou-se os fundamentos da análise econômica do direito para concluir que a impossibilidade de penhorar o bem de família do fiador na locação residencial levaria ao aumento do preço do aluguel, prejudicando o direito à moradia.
Para a maioria dos Ministros, contudo, essa lógica seria distinta no caso da locação comercial. Isso porque, nessa hipótese, não haveria prejuízo ao direito social à moradia com o eventual aumento de aluguéis (comerciais), decorrente da subtração dessa garantia em potencial. Além disso, haveria, na espécie, violação ao princípio da isonomia face ao próprio devedor principal, cujo bem de família não estaria sujeito à constrição.
Nas ADIs 2139, 2160 e 2237, julgadas no dia primeiro de agosto, o Plenário deu interpretação conforme a Constituição ao art. 625-D, §§1º a 4º, da CLT, que obrigava o empregado a recorrer à Comissão de Conciliação Prévia previamente ao ajuizamento de demanda trabalhista. Com base no art. 5º, XXXV, da CRFB/88, o STF confirmou o entendimento externado há quase dez anos na decisão liminar proferida nas ADIs 2139 e 2160, no sentido de que “a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio legítimo, mas não obrigatório de solução de conflitos, permanecendo o acesso à Justiça resguardado para todos os que venham a ajuizar demanda diretamente ao órgão judiciário competente”.
Em outra importante decisão tomada em sede de repercussão geral, o Supremo declarou, no julgamento do RE 611503, a constitucionalidade dos arts. 475-L, §1º, e 741, parágrafo único, do CPC/1973 – e de seus correspondentes arts. 525, §12, e 535, §5º, do CPC em vigor. Tais dispositivos preveem a inexigibilidade da obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei, ato normativo ou interpretação considerados inconstitucionais pelo STF. É necessário, para tanto, que o julgamento contendo a declaração de inconstitucionalidade tenha sido realizado pelo Supremo antes do trânsito em julgado da decisão exequenda, nos termos dos arts. 525, §14, e 535, §7º, do CPC/2015.
Assim, por maioria, o Plenário fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 360): “são constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional, seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda”.
Ainda no ano de 2018, a Corte proferiu duas importantes decisões a respeito da legitimidade ativa do Ministério Público em sede de ação civil pública. No julgamento do RE 605533, com repercussão geral reconhecida, o Plenário decidiu que “o Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise ao fornecimento de remédios a portadores de certa doença”. Pontuou o Supremo, para tanto, que tanto a causa de pedir quanto o pedido faziam alusão não apenas à situação de um determinado paciente individualmente considerado, mas também à das demais pessoas acometidas pela mesma moléstia[2].
Já no julgamento RE 409356, também em sede de repercussão geral, fixou-se a seguinte tese: “o Ministério Público tem legitimidade para ajuizamento de ação civil pública que visa anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público”. Tratava-se, no caso, de ação civil pública ajuizada pelo MPE-RO em face do Estado e de um policial militar, buscando anular o ato administrativo que havia transferido o servidor para a reserva, bem como a exclusão do pagamento de gratificações e a limitação da remuneração ao teto salarial estadual.
Em seu voto, o Relator, Min. Luiz Fux, ressaltou que, na ação civil pública para a tutela do erário, o MP não age como representante do ente público, mas sim como substituto processual de uma coletividade indeterminada. Além disso, o Ministro destacou que a atuação judicial contra a dilapidação do erário configura atividade de defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e do patrimônio público, em conformidade com as funções institucionais atribuídas pela Constituição ao Ministério Público[3].
Por fim, no último mês do ano, o Plenário proferiu outras duas decisões que merecem análise. No julgamento da ADI 3995, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio, impugnando a nova redação do caput do art. 836 da CLT (dada pela Lei nº 11.495/2007), o Tribunal definiu que é constitucional a fixação de depósito prévio como condição de procedibilidade da ação rescisória. O Relator, Min. Luís Roberto Barroso, ressaltou que “as normas processuais podem e devem criar uma estrutura de incentivos e desincentivos que seja compatível com os limites de litigiosidade que a sociedade comporta”. Nesse contexto, “o depósito no percentual de 20% sobre o valor da causa não representa uma medida demasiadamente onerosa, guardando razoabilidade e proporcionalidade”, já que inibiria o “ajuizamento de demandas ou de pedidos rescisórios aventureiros”.
Na ADI 3659, por sua vez, o STF estabeleceu as condições para que a decisão proferida em representação de inconstitucionalidade no âmbito do Tribunal de Justiça torne prejudicada eventual ação direta de inconstitucionalidade pendente de julgamento no Supremo. Decidiu-se que, para tanto, seria necessário, cumulativamente, que: (i) a RI tenha sido julgada procedente; e (ii) a inconstitucionalidade tenha sido declarada por incompatibilidade com dispositivo constitucional tipicamente estadual. Ou seja, não haveria prejuízo da ação direta perante o Supremo quando tiver havido declaração de inconstitucionalidade com base em norma de Constituição estadual que constitua reprodução – obrigatória ou não – de dispositivo da Constituição Estadual.
O caso concreto dizia respeito a uma representação de inconstitucionalidade ajuizada perante o Tribunal de Justiça do Amazonas, contra preceitos igualmente impugnados na ADI em questão. A Corte local julgou procedente o pleito, decisão esta que transitou em julgado. Não obstante isso, o voto do Relator, Min. Alexandre de Moraes, negou prejuízo à ação, ao argumento de que o trâmite da representação de inconstitucionalidade deveria ter sido suspenso para aguardar o pronunciamento do Supremo, o que não ocorrera. Por conseguinte, subtrair a jurisdição do Supremo sobre o ato normativo impugnado poderia resultar na manutenção, no âmbito do Estado-membro, de uma compreensão da Constituição Federal distinta daquela adotada pelo STF em relação ao restante do país.
Este foi um brevíssimo resumo das decisões mais relevantes proferidas pelo STF no ano de 2018, em matéria de Direito Processual Civil. Durante este ano de 2019, pretendemos analisar outras decisões que sejam importantes para desenvolvimento do nosso objeto de estudo, de maneira simples, didática e, sobretudo, objetiva.
[1] http://observatoriodoprocessostf.com.br/posts/homologacao-do-acordo-sobre-os-planos-economicos-na-adpf-165/
[2] Acórdão ainda não publicado. Informações obtidas a partir da divulgação ocorrida no Informativo 911 do STF.
[3] Acórdão ainda não publicado. Informações obtidas a partir da divulgação ocorrida no Informativo 921 do STF.
Rafael Gaia Edais Pepe
Marcelo Gaia Edais Pepe