A PRIMEIRA SUSPENSÃO DE IRDR
A primeira Suspensão Nacional do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – SIRDR 1 (originalmente autuada como Pet 7001) – foi decidida pela Presidente do Supremo em 15.12.2017. Em sua decisão, publicada no dia 01.02.2018 e preclusa no dia 04.04.2018, a Min. Cármen Lúcia acolheu o pedido formulado pela União Federal e suspendeu os “atos decisórios de mérito de controvérsia constante de todos os processos, individuais ou coletivos, em curso no território nacional, que versem sobre a questão objeto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 5008835-44.2017.4.04.0000, admitido no Tribunal Regional Federal da Quarta Região”.
Esse IRDR discute, na origem, a correta aplicação do art. 158, I, da Constituição Federal, no que concerne à distribuição do produto da arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) pelos Municípios, incidente sobre valores pagos por eles a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para fornecimento de bens ou prestação de serviços. Segundo a Advocacia-Geral da União, essa questão seria “tipicamente nacional e não regional”, sendo necessário garantir segurança jurídica ao tratamento do tema, pois a interpretação do art. 158, I, da Constituição, atingiria a todos os Municípios brasileiros (e, possivelmente, também aos Estados, considerando a redação do art. 157, I, também da Constituição).
Passando ao largo da matéria de fundo, a decisão tangencia algumas questões processuais que merecem atenção. Antes de tudo, porém, é importante relembrar que o art. 1.029, §4º, do CPC, permite que o Presidente do STF ou do STJ estenda a suspensão de processos do IRDR “a todo território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial a ser interposto”, “considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, desde que se discuta “questão federal constitucional ou infraconstitucional”. Já o art. 982, §3º, do CPC, estabelece que, “visando à garantia de segurança jurídica”, os legitimados previstos nos incisos II e III do art. 977 poderão pedir a “suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente”.
Pois bem. Inicialmente, a Min. Cármen Lúcia destacou o papel do IRDR como “medida de eficiência da gestão de processos pelo Poder Judiciário”, realçando tanto a sua inspiração em mecanismos de coletivização de demandas individuais (como o Musterverfahren alemão e a Group Litigation Order inglesa), quanto a sua inserção em um contexto de valorização dos precedentes no Direito Processual brasileiro. O sobrestamento dos processos pendentes, nesse cenário, favoreceria a “racionalidade e a eficiência processuais, contribuindo, assim, para a distribuição equânime da jurisdição sobre idêntica controvérsia posta em ações judiciais diversas”.
Dito isso, a Presidente do Supremo enfatizou a subsidiariedade do IRDR, considerando ser ele incabível “quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva”, nos termos do art. 976, §4º, do CPC. Isso porque a deflagração do IRDR em sede estadual ou regional, concomitantemente à submissão da mesma questão à apreciação de tribunal superior, “mostrar-se-ia contraproducente e desnecessária, além de gerar situação de insegurança jurídica, pela possibilidade de concluir o tribunal estadual ou regional o julgamento do IRDR antes do pronunciamento do tribunal superior, em sentido contrário”. Sobre esse tópico, a Ministra enfatizou a inexistência de recurso extraordinário com repercussão geral ou repetitivo, bem como a extinção sem resolução do mérito da ADI 5.565, de relatoria do Min. Luiz Fux, que tratava da mesma controvérsia em sede abstrata.
A Presidente do Supremo teceu, ainda, algumas considerações sobre a admissibilidade do eventual futuro recurso extraordinário interposto contra a decisão que vier a decidir o IRDR. Considerando que o IRDR é um veículo para a “fixação, de forma abstrata, de tese jurídica a ser aplicada na própria demanda que lhe tenha dado origem e nos demais casos semelhantes, pendentes e futuros”, ponderou a Min. Cármen Lúcia que “a amplitude da questão constitucional suscitada e a abrangência do julgamento abstrato a ser realizado na análise do incidente de resolução de demandas repetitivas afastam, para definição da competência deste Supremo Tribunal no exame da suspensão nacional de processos, a consideração do óbice da inconstitucionalidade por via reflexa”.
Reconhecendo a competência da Presidência do STF, diante da “evidente natureza constitucional da discussão posta no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 5008835-44.2017.4.04.0000”, bem como a legitimidade da União, “porquanto figurou como interessada no IRDR”, a Min. Cármen Lúcia passou a analisar se a situação enfrentada justificaria a suspensão pretendida.
De acordo com a Presidente do Supremo, haveria um risco de ofensa à isonomia, já que “plausível o alegado efeito multiplicador dos processos envolvendo a repartição de receitas tributárias entre a União e os demais entes federados quanto ao produto do imposto de renda retido por serviços a eles prestados”. Além disso, a Ministra Presidente remarcou a necessidade de se preservar a segurança jurídica dos Municípios, a qual não seria suficientemente assegurada com o julgamento das Ações Cíveis Originárias atualmente em trâmite no Tribunal, mas apenas “pela fixação de tese abstrata formada em precedente dotado de efeito vinculante”. Com base nesses argumentos, pois, a Min. Cármen Lúcia deferiu o requerimento de suspensão dos atos decisórios de mérito constantes de todos os processos, permitindo, todavia, a “adoção dos atos e das providências necessárias à instrução das causas instauradas ou que vierem a ser ajuizadas e do julgamento dos eventuais pedidos distintos e cumulativos deduzidos”.
Essas foram as notas mais relevantes acerca da admissão e do deferimento do primeiro pedido de suspensão em incidente de resolução de demandas repetitivas perante a mais alta Corte do país. Ainda há, porém, muito a ser explorado a partir do voto da Min. Cármen Lúcia: desde as circunstâncias que denotam a “subsidiariedade” do IRDR, passando pela superação do conhecido óbice da “ofensa reflexa” para a admissibilidade do RE e chegando à definição de parâmetros claros sobre quais “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social” permitiriam a suspensão. Considerando a declarada intenção do CPC de 2015 em alavancar a eficiência do sistema de precedentes, pode-se apostar que essas questões surgirão mais cedo do que se imagina.
Rafael Gaia Edais Pepe
Marcelo Gaia Edais Pepe