RETROSPECTIVA 2017
Neste nosso primeiro post, faremos uma breve retrospectiva dos principais acontecimentos envolvendo o Direito Processual Civil, durante 2017, na mais alta Corte do país. Como ficará evidente, o ano passado não foi simples ou trivial por aquelas bandas.
O ano começou de maneira triste. Em janeiro, testemunhamos o trágico falecimento do Min. Teori Zavascki, eminente processualista que ocupava, desde 2012, a cadeira deixada pelo Min. Cezar Peluso no STF. O baque foi sentido não apenas pelos integrantes da Corte ou pelos membros da comunidade jurídica, mas também pela população brasileira de um modo geral, graças à projeção que o Ministro Teori havia ganhado após tornar-se relator dos processos da chamada “Operação Lava-Jato”. Ainda em 2017 perdemos outros dois gigantes do Direito: Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira, ícones da ciência processual, deixaram-nos em julho e agosto, respectivamente.
Em relação aos julgados de maior relevância, o Supremo proferiu, em abril, importante decisão envolvendo a execução contra a Fazenda Pública. Ao julgar o RE 938.837, Rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio (paradigma do Tema 877 da repercussão geral), o Plenário da Corte definiu, por maioria, que os conselhos de fiscalização profissional não estão sujeitos à sistemática do precatório, prevista no art. 100 da Constituição. Isso porque, segundo o voto vencedor, embora sejam pessoas jurídicas de direito público, os conselhos profissionais possuiriam autonomia financeira e não receberiam aporte orçamentário da União. Sendo assim, ainda de acordo com a tese vencedora, a submissão à sistemática do precatório significaria, na prática, transferir para a União as dívidas dessas entidades.
Com base nesses fundamentos, foi fixada tese de repercussão geral, estabelecendo que “os pagamentos devidos em razão de pronunciamento judicial pelos conselhos de fiscalização não se submetem ao regime de precatórios”. Ficou vencido o Min. Edson Fachin, relator originário, que defendia ser o regime de precatórios mera consequência lógica do reconhecimento da natureza jurídica de autarquia, atribuída pelo Supremo Tribunal Federal aos conselhos de fiscalização profissional na ADI 1.717, Rel. Min. Sydney Sanches.
Já em maio, retornando ao assunto da execução contra a Fazenda Pública, o Plenário concluiu de forma unânime, no julgamento do RE 573.872, Rel. Min. Edson Fachin, que a execução de sentença condenatória de obrigação de fazer contra a Fazenda Pública não atrai o regime de precatórios, ainda que implique em dispêndio de numerário público (Tema 45 da repercussão geral). De acordo com o Supremo, em não se tratando de obrigação de pagar quantia certa, seria inaplicável a sistemática dos precatórios prevista no art. 100 da Constituição, que exige o trânsito em julgado para o cumprimento de sentença. Desta forma, seria possível a execução provisória da decisão, quando o recurso não tivesse sido recebido com efeito suspensivo. Ao fim, a Corte fixou a seguinte tese, para efeitos de repercussão geral: “a execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios”.
Também em maio, o Supremo decidiu o Tema 499 da repercussão geral, paradigmático para o estudo e a prática do processo coletivo. No julgamento do RE 612.043, Rel. Min. Marco Aurélio, o Plenário entendeu, por maioria, que os limites subjetivos da coisa julgada formada em ação coletiva ajuizada por associação somente alcançam os associados que residam no âmbito de jurisdição do órgão julgador e que já fossem filiados até a data da propositura da demanda, conforme listagem juntada à petição inicial. Argumentou-se que o art. 5º, XXI, da Constituição, pressupõe rol determinado de membros, já que a associação não age em nome próprio, mas sim representando seus filiados. A indicação dos associados até o momento do ajuizamento da demanda teria o objetivo, pois, de preservar o direito à ampla defesa e ao contraditório do réu. Com isso, declarou-se a constitucionalidade do art. 2º-A, da Lei n. 9.494/1997.
Nessa esteira, o Tribunal fixou a tese de que “a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes de relação juntada à inicial do processo de conhecimento”. Ficaram vencidos o Min. Ricardo Lewandowski, por entender que a exigência de prévia filiação para o associado limitava de forma indevida o acesso à Justiça e a atuação das associações; o Min. Edson Fachin, em parte, que admitia a filiação até a época da formação do título exequendo; e o Min. Alexandre de Moraes, também em parte, que defendia a limitação da coisa julgada à competência territorial do órgão de segunda instância, seja da justiça federal, seja da estadual.
Ainda no mês de maio, o Plenário do STF pacificou o entendimento pela possibilidade de imposição de honorários recursais em sede de agravo interno interposto sob a égide do Código de 2015, ainda que o agravado não tenha ofertado contrarrazões, nos termos do art. 85, §11, do CPC. A matéria foi discutida presencialmente no Plenário, durante o julgamento da AO 2.063 AgR, Red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux. Ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator original, Celso de Mello e Cármen Lúcia, por entenderem que a inexistência de contrarrazões indicaria a ausência de trabalho adicional do advogado. O precedente já tem sido aplicado no STF, como se vê em alguns julgados da Primeira Turma (v.g., RE 1.020.642 AgR, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. em 30.06.2017, e ARE 1.000.400 ED-AgR, Rel. Min Luiz Fux, j. em 21.08.2017).
A Primeira Turma do Supremo, em novembro, enfrentou o cabimento de embargos de declaração contra decisão que inadmite recurso extraordinário. No julgamento do ARE 688.776 ED e do ARE 685.997 ED, ambos de relatoria do Min. Dias Toffoli*, decidiu-se, por maioria de votos, que são incabíveis os aclaratórios na hipótese. Sendo assim, não haveria interrupção de prazo para a interposição de agravo em recurso extraordinário. Ficaram vencidos, quanto a essa questão, os Min. Marco Aurélio e Luiz Fux, que defendiam a possibilidade de oposição de embargos de declaração em face de qualquer pronunciamento com carga decisória.
Por fim, o Supremo publicou, em 18 de dezembro de 2017, a Resolução n. 604/2017, com o fito de instituir novos incidentes (Tutela Provisória Incidental – TPI e Incidente de Assunção de Competência – IAC) e classes processuais (Suspensão Nacional do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – SIRDR e Tutela Provisória Antecedente – TPA), além de promover mudanças em outras já existentes (instituição da parte passiva denominada Beneficiário na classe processual da Reclamação, e modificação da nomenclatura da Suspensão de Tutela Antecipada – STA, que passa a se chamar Suspensão de Tutela Provisória – STP). Essas modificações têm por escopo adequar o processamento dos feitos no Supremo ao Código de Processo Civil de 2015, permitindo que a autuação reflita com melhor técnica a realidade processual.
Como dito, esta é a primeira de muitas análises que, com entusiasmo, pretendemos fazer daqui em diante. Desejamos a todos um 2018 repleto de soluções para as incontáveis questões processuais que permanecem orbitando o Supremo Tribunal Federal.
Rafael Gaia Edais Pepe
Marcelo Gaia Edais Pepe
* Acórdãos ainda não publicados. Dados obtidos no Informativo n. 886 do STF.